sábado, 2 de maio de 2009

E todos concordaram!!!

Recebido por e-mail de pessoa de confiança.O assunto deste texto com autor identificado merece ser conhecido e meditado.

O regresso ao tempo das malas cheias de notas
Público, 01.05.2009, José Manuel Fernandes

As emendas à lei de financiamento dos partidos, cozinhadas quase em segredo por todos os partidos e aprovadas também por todos, são o retrato fiel da hipocrisia reinante. Quando foram conhecidas as conclusões da investigação do Ministério Público à forma como o antigo líder da bancada do PSD Duarte Lima tinha enriquecido, o dado mais chocante do inquérito - que foi arquivado - era ter-se verificado que o deputado social-democrata, que poucos rendimentos teria para além dos inerentes à sua função, tinha depositado centenas de milhares de contos (vários milhões de euros) em notas nas suas contas bancárias. Porquê? Porque depositar tais quantias de dinheiro não se justifica no tempo dos cheques e das transferências interbancárias, a não ser quando se pretende esconder a origem das notas. O "dinheiro vivo", ao contrário das outras formas de pagamento, não deixa rasto.

É certo que a memória do povo é curta, mas a dos deputados não devia ser e a dos jornalistas tem obrigação de não ser. Por isso há sempre uma campainha de alarme que toca na cabeça de quem se preocupa com a lisura de processos quando se fala em "dinheiro vivo". Quem disso duvide deve ler o texto de Luís Campos e Cunha nesta edição do PÚBLICO onde fica claro como a tonitroante campanha a favor de uma coisa que já existe - o acesso do fisco às contas bancárias dos cidadãos - por regra deixa de fora a verdadeira corrupção. Pois há sempre muitas formas de ocultar a origem do "dinheiro vivo".

É certo também que fui dos poucos a assistir a uma das audiências de um processo em que era réu por causa das notícias que este jornal deu sobre a Câmara de Felgueiras e que ouviu uma das testemunhas dizer, com a maior das naturalidades, que costumava receber os donativos para o PS local em maços de notas embrulhadas em papel de jornal que lhe entregavam no átrio dos Paços do Concelho.

Mesmo assim é incompreensível, é mesmo vergonhoso, a forma como, de forma dissimulada, sem discussão que se visse, com quase tudo a ser resolvido em reuniões fechadas à imprensa, a Assembleia da República aprovou ontem a revisão do diploma sobre o financiamento dos partidos em termos tais que não só escancara as portas à corrupção, como cria inúmeros alçapões por onde podem escapar-se os que estiverem dispostos a abusar das regras.

Não se compreende que o limite ao financiamento em "dinheiro vivo" num dos países do mundo com uma melhor rede de terminais multibanco tenha sido aumentado 55 vezes. Não se compreende igualmente o alargamento às campanhas não presidenciais da possibilidade de donativos individuais, um mecanismo que permite receber grossas maquias e depois "doá-las" ao partido através de redes de militantes arregimentadas por um qualquer cacique. Isto só para dar dois exemplos mais gritantes.

As alterações são chocantes e representam um insulto aos cidadãos eleitores por permitirem que os partidos gastem muito mais em campanha em tempos de crise económica, como mostra a hipocrisia dos falsos moralistas, aqui com destaque para os campeões do comportamento angelical, o Bloco de Esquerda. É fantástico e revelador como, num momento como este, todos estão pateticamente de acordo e não entendem que possibilitar o regresso do tempo das "malas das notas" representa um tremendo retrocesso no que diz respeito à transparência das campanhas eleitorais e do financiamento dos partidos. Mas é também assim que se compreende como nunca foi possível fazer uma lei contra o enriquecimento ilícito. O resto são basófias.

Duas notas mais. Irresistíveis.

Diminuir o valor das multas que as empresas poluidoras têm de pagar invocando as dificuldades das pequenas e médias empresas é criminoso. Quem prevarica tem de continuar a pagar as multas que merece, que já nem eram elevadas. Porquê? Porque perdoar a quem prevarica é distorcer a concorrência e beneficiar as más pequenas e médias empresas que ficam em condições de fazer mais concorrência às que cumprem a lei. Para além de que, antes de abdicar da prevenção do ambiente, há dezenas de outras medidas que aliviaram os problemas de tesouraria do nosso tecido industrial. Mas ao optar por sacrificar o ambiente o nosso primeiro-ministro mostra como é diáfana a sua costela de ambientalista. Já não lhe bastavam os famosos PIN...

Em nome da coerência, o Bloco de Esquerda deverá apresentar em breve no único concelho onde elegeu um presidente da câmara, o de Salvaterra de Magos, uma proposta idêntica à que fez aprovar no concelho de Sintra, onde as touradas passaram a ser proibidas. Se não o fizer, volta a provar que, como aconteceu com a votação da lei de financiamento dos partidos, uma coisa são as suas lições de moral e outra a sua real prática. É pois necessário que Louçã diga rapidamente se vai ou não pregar contra o sofrimento dos touros para Salvaterra de Magos. Temos uma data para lhe sugerir: domingo 10 de Maio, altura da Festa do Melão, que terá como ponto alto o toureio de, citamos, "6 terroríficos touros 6" da "mais antiga ganadaria de Portugal". Era de homem.

5 comentários:

Ana disse...

A pouco e pouco se vão desenterrando e voltando a praticar muitos dos terríveis pecados que tanto horrorizavam os senhores que hoje se dedicam à política (não sei se política ainda é isto).
Regressam os males antigos que se vêm juntar aos do presente, diversos mas não menos graves.

Contas feitas, temos uma sociedade gerida por vigaristas, burlões, hipócritas, gente sem escrúpulos e, ainda por cima, incompetente.
E, pior, é esta gente que, mansamente, conseguiu ao longo dos anos e com a complacência dos eleitores, instalar-se confortavelmente nas posições mais destacadas, em todos os países do mundo.

Estamos bem encomendados!

Beijinho, João

A. João Soares disse...

Querida amiga Ana Martins,
O que diz está perfeitamente ajustado à realidade.
Mas o que acho mais curioso é que os partidos nunca estão de acordo nos grandes problemas do País, mas neste que interessa a todos eles, conluiados em se governarem à custa dos cargos que os eleitores lhes confiaram, não houve a mínima hesitação a não ser a de um jovem deputado que os outros apelidarão de lorpa e ingénuo, mas que deve merecer a consideração de todos os portugueses, JOSÉ SEGURO.
Este regime, tal como está a dar guarida a gente que desta forma se classifica, não pode durar muito mais.
Ou aparece um teorizador da ciência política, com capacidade organizativa e estratégica para implementar um novo regime, ou o povo terá de avançar com foices e gadanhas para restaurar a democracia honesta.

Abraço
João

Anónimo disse...

Não me parece que o problema seja o facto do financiamento dos partidos ser em "cash" ou não. Mais importante do que isso é saber qual a origem do dinheiro, porque se tem origem desconhecida será sempre suspeito de poder ter origem ilícita o que é condenável; ou não será? Também não me parece que ande por aí gente a distribuir milhões pelos partidos a troco de nada. Quanto às receitas da festa do "Avante" e do PC, desde que sejam contabilizadas e correspondam com as facturadas não vejo onde está o inconveniente: são receitas geradas pelo próprio partido e não são própriamente DÁDIVAS DE DINHEIRO, porque correspondem às receitas das entradas no recinto de festas e das vendas nos bares e restaurantes nele espalhados, bem como da venda de produtos recolhidos pelos vários Centros do PC em todo o país. Quanto às despesas para a montagem do evento, são mais reduzidas do que se poderia supor, uma vez que grande parte do trabalho é gratuito e oferecido pelos militantes do PC. Não conheço outro partido que consiga mobilizar os seus militantes para uma contribuição pessoal termos de trabalho dessa grandeza.

Zé da Burra o Alentejano

A. João Soares disse...

Caro Zé da Burra,

«Mais importante do que isso é saber qual a origem do dinheiro, porque se tem origem desconhecida será sempre suspeito de poder ter origem ilícita o que é condenável; ou não será?» .
Estas suas palavras contêm o essencial do problema. Hoje nenhuma pessoa honesta anda com malas ou sacos de notas para fazer um pagamento, porque há os velhos cheques, os cartões multibanco e as transferências de conta. Se estes processos legais não são utilizados e se entrega dinheiro vivo, é porque há algo a esconder. Logo, o sistema serve para lavar dinheiro sujo, com prejuízo de algo ou alguém. A «compra» (não há almoços grátis) dos bons ofícios dos partidos por essa forma, poderá vir a encobrir traficantes e outros criminosos, com aspectos de corrupção e de enriquecimento ilícito. E como todos os partidos estiveram de acordo, poderão vir a surgir suspeitas de conluio entre políticos e criminosos. A suspeita nasce sempre das zonas de penumbra, da ausência de clareza. E, depois, é preciso muita iluminação para atenuar a suspeita, no entanto, que nunca desaparecerá totalmente.
Um abraço
João Soares

A. João Soares disse...

Este post foi publicado há uma semana, mas não previa que o assunto nele focado viesse a ter as repercussões que tem. Hoje, o Jornal de Notícias refere-se a ele no artigo Aumentam as críticas à lei do financiamento